sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Metafísica

SER E APARÊNCIA - 4

Quando sabemos que vamos ganhar um presente, porque a data do nosso aniversário se aproxima, ficamos mentalmente imaginando como vai ser o presente... O tamanho, a cor, o valor, a qualidade, etc. Quando recebemos o presente, é claro que ele não vai ser o que imaginamos. Pode ser até "melhor", mas vamos nos frustrar mesmo assim. Vamos nos decepcionar, que é o contrário de aceitar. Da mesma maneira, quando recebemos o mais belo presente que a vida pode nos dar, que é um filho, assim que ele começa a crescer e a expressar seu espírito único e incomparável, nos decepcionamos. Isso é facilmente comprovado pelo fato de que qualquer pai ou mãe que tenha mais de um filho sempre gosta mais de um e menos de outro, embora muitos apressadamente se negarão a aceitar essa verdade... Porque uma criança jamais poderá ser exatamente como imaginamos, como sonhamos, em nossos delírios de compensar nossas próprias frustrações. A chance é de um para um bilhão.
Porque a criança que vem ao mundo não é um livro em branco. Não é vazia! Dentro dela há um espírito, que lhe dá a vida e o sentido: o valor existencial. E esse espírito é único, porque contém a história de todas as suas vidas passadas, a enorme somatória de milhões de experiências puramente individuais. É isso que lhe confere valor inestimável: a absoluta exclusividade de uma vida única, de uma alma autêntica, inédita, totalmente nova! E é por isso que poderíamos gostar ainda mais dela, se tivéssemos a isenção suficiente para aceitar sem preconceitos aquilo que é diferente, o que é novo, o que é um ganho evolutivo para a humanidade. Se tivéssemos a humildade de aceitar um presente de Deus que fosse absolutamente surpreendente, confiando na vida, que sempre sabe o que faz. É justamente por essa razão que poderíamos amar incondicionalmente essa criança...
Mas é justamente essa essência, essa exclusividade, essa diferença que lhe é negada pelos pais, família, amigos, pela escola, religião, mídia e sociedade em geral. Em nome de uma banal normalidade, banal medianidade ou ainda banal mediocridade.
E então, no afã de agradar, no esforço de ser aceita e amada, a pobre criança se diminui, se medianiza, se banaliza, se torna medíocre ao anular suas verdadeiras características, sua história pregressa, seu conhecimento atávico, sua sabedoria inata, suas qualidades únicas e intransferíveis, que são as pedras mais preciosas do seu ser.
Perde o valor...
Quando a gente ganha um presente de surpresa, num dia qualquer em que não estamos esperando, a gente sempre gosta. Se pudéssemos ter essa mesma atitude de não-expectativa ao receber da vida um filho, aí sim o amaríamos incondicionalmente, com o amor de verdade, com o amor com o qual Jesus nos amou quando disse: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei". Ou seja, da mesma forma como ele amou: o amor incondicional. E então permitiríamos que essa criança se desenvolvesse como bem quisesse, evoluindo a partir de seus próprios potenciais, seu histórico e sua bagagem. E assim ela poderia também obter o amor dos amigos e da sociedade, porque seria nova, inédita, exclusiva, única, valiosa, especial, diferente... Não é contradição o fato de que todas essas qualidades (novo, inédito, exclusivo, único, valioso, especial, diferente) sejam justamente o que a mídia e a propaganda apregoem aos berros, literalmente? Isso se explica pelo fato de que a cultura consumista da nova ordem mundial quer nos vender exatamente aquilo de que nos privou: a individualidade...
Pare e pense!

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