quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Metafísica

SER E APARÊNCIA - 6


Por outro lado, não posso atribuir a causa exclusiva dessa situação aos pais porque eles foram apenas reprodutores, não só biológicos... mas reprodutores também dos erros que se repetem geração após geração, vida após vida. Nós também, cada um de nós, em uma ou outra vida, já fomos não só filhos "vitimados" como também pais causadores desse mesmo erro - o erro da expectativa e das boas intenções que preenchem o "inferno"...
Agora, cada um de nós precisa tomar consciência disso, para poder romper o círculo vicioso que faz a maior parte da humanidade ser infeliz. Temos que aprender a dominar o desejo que inibe os impulsos responsáveis pela verdadeira satisfação e pelo verdadeiro prazer, ao gerar expectativas que serão necessariamente frustradas. O desejo pré-moldado. Que não apenas nos frustra, mas também nos faz querer mudar e moldar outras pessoas, inclusive nossos filhos e aqueles que dizemos que amamos. Gerando em nós mesmos e também neles complexos, traumas, bloqueios, inibições, medo, timidez, raiva, mágoa, desprezo, humilhação, insegurança, impotência, frigidez e toda a maldita gama das "patologias" que a medicina insiste em catalogar.
Um exemplo que eu gosto muito de citar é esse a seguir.
Quando a televisão mostra a mãe da modelo famosa que "virou" cantora, fazendo-a "chorar de alegria", num "show de emoção" pela "realização" da filha, eu observo e reflito:
Ora, chorar de alegria?! Não seria melhor sorrir ou talvez dançar de alegria? Por que chorar? Será que o que motiva o choro não são os muitos anos de difícil modelagem de um espírito cheio de histórias que talvez não estivesse nem um pouco disposto a ser "modelo"? (Mas que acabou se dobrando à vontade da mãe que só queria "o melhor pra ela".) Ou será o motivo do choro uma vida inteira vazia, sacrificada em função da dedicação a outra pessoa? (Que provavelmente não tenha solicitado dedicação nenhuma...) Ou talvez o motivo do choro "de alegria" seja na verdade a longa expectativa pelo sucesso de uma filha que poderia, enfim, redimir toda sua dor e preencher seu vazio. (A chance disso acontecer é de 1 para 1 milhão, ou seja, para cada mamãe realizada que chora na TV pelo sucesso da filha ou do filho, milhões de mamães frustradas choram no sofá da sala...).

Após a entrevista, a mãe vai pra casa, faz um chazinho no fogão novo que a filha famosa lhe deu, vai dormir na cama nova, ao lado do velho marido (velho no sentido anímico) e tenta pensar: "enfim, estou realizada, realizei o sonho da minha vida, agora sou feliz". Mas antes de dormir, mais uma lágrima escorre pelo canto do nariz e fica presa nas marcas de expressão de seu rosto, nas rugas do choro de toda uma vida. E a mente dela pensa "sou feliz", mas não há eco em seu coração. Uma coisa é pensar e outra é sentir. Sentir é verdadeiro; pensar, nesse caso, é só imaginação da mente. Da mente que sempre mente.
Eu não concebo a ideia de "chorar de alegria", "chorar de felicidade" e outras bobagens. É verdade que o riso e o choro se utilizam dos mesmos músculos. Da mesma maneira que energias contrárias fluem no mesmo chacra (cada um dos 7 centros nervosos ao longo da coluna), só que em sentidos opostos e com funções opostas. Eu entendo que alguém sorria de alegria, ria no bom-humor, dance de felicidade ou cante de prazer. Mas não chorar. Chorar é alívio. Aliviar a dor que sai, a energia cristalizada que constitui a dor (como pedra nos rins) e que, nesse momento, por força da emoção induzida, flua um pouquinho...
Parece que gostamos de acreditar em mentiras. Mentiras protelam a dor. Assim como tomar quilos de analgésicos em vez de tratar logo do canal daquele dente. Mas só a verdade redime, só a verdade cura.
Enfim, não se pode ser feliz colocando a felicidade fora de nós, nas coisas materiais ou nas outras pessoas. Mesmo que a pessoa em questão seja seu próprio filho. O ser humano adora expelir frases de efeito do tipo: "se você tá feliz, então eu tô feliz"... Ficam muito bonitas no cinema ou nas novelas, mas são sempre falsas, necessariamente falsas.
Felicidade é como o espírito: infinitamente diferente, necessariamente exclusiva, única, incomparável e intransferível. Felicidade é mais íntima que a própria toalete, todo mundo sabe (ou imagina) o que você faz no banheiro, a portas fechadas. Mas ninguém pode saber e nem sequer ter uma vaga ideia daquilo em que realmente consiste a sua felicidade. Assim, ninguém pode ser feliz com a felicidade alheia, da mesma forma que ninguém pode fazer suas necessidades... bem, deixa prá lá...


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